Ensinada a amar seus cabelos naturais desde muito nova, a trancista Amanda Fernandes Campos cresceu aprendendo com sua mãe, a cabelereira Débora de Paula, a cuidar de seus cachos. Hoje, ela atende mulheres e homens negros em seu salão para ajudá-los durante a fase de transição capilar e no resgate à ancestralidade afro.
Em uma história de resiliência e luta, Amanda, sua mãe, seu irmão e sua irmã vieram de Goiás em busca de uma melhor qualidade de vida na Capital, seguindo os passos de seu avô cuiabano.
Vindos de uma família composta majoritariamente por brancos de cabelo liso, a trancista conta que por muito tempo se questionou sobre os traços africanos e chegou a pensar se deveria alisar os cachos quando pequena, como uma forma de tentar de encaixar na estética dos parentes.
Por vezes, os próprios familiares faziam comentários racistas velados a respeito da aparência de Amanda e irmãos, por terem cabelos, tom de pele e jeito diferentes. Neste ponto, ela conta que a figura de sua mãe foi essencial para que ela e a irmã mantivessem sua identidade e personalidade preservadas.
Débora fez curso de cabelereira e usou o conhecimento para ensinar as meninas a arrumar os cachos e ainda manter uma renda trabalhando em casa. Ensinada pela própria mãe, Amanda começou a dar seus primeiros passos como trancista enquanto arrumava o cabelo de sua irmã, Fernanda.
De nome “Nagô”, as tranças rasteiras eram muito mais do que uma estética na vida das jovens, mas um símbolo de resistência e poder afro. E foi por meio do penteado que ambas puderam resgatar suas raízes.
“A trança é uma ponte muito importante, principalmente para as mulheres negras, porque traz essa confiança, é algo inexplicável, só entende mesmo quem consegue ter o contato direto, porque não dá para mensurar”, explica.
Construindo um sonho
Depois que a família se estabeleceu em Cuiabá, por alguns anos Amanda cursou engenharia sanitária ambiental na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Já mais velha, ela ainda fazia tranças em si mesma, mas não imaginava que poderia trabalhar com isso.
Foram os próprios colegas que incentivaram a jovem a começar a investir nesse ramo e foi assim que ela começou a atender seus primeiros clientes.
Como universitária, Amanda conta que não tinha muito tempo para se dedicar às tranças, por isso usava os dias sem aula e os feriados para atender os interessados no seu trabalho.
Naquela época, no começo de 2020, ela ainda não tinha um salão próprio e conseguia trançar no salão da mãe de uma amiga, que por boa vontade disponibilizou parte do seu espaço nos dias em que o estabelecimento tinha pouco movimento ou estava fechado.
Com a chegada da pandemia, Amanda trancou o curso na UFMT e começou a atender em casa para ajudar nas despesas da família, já que sua mãe havia sido demitida do cargo de assistente social.
Por anos, a trancista passou de lugar em lugar em busca de um cantinho em que pudesse se estabelecer como profissional. Durante este tempo, ela amadurecia a ideia de criar o próprio salão até que, no final de 2021, convenceu a mãe embarcar no sonho com ela.
“Minha mãe estava tentando voltar para o mercado, mas enfrentava muita dificuldade e foi quando tive a ideia de ela trabalhar comigo, da gente montar algo juntas. Nós abrimos o espaço no final de março”, conta.
Foi dessa forma que nasceu Nefertiti Beleza Afro, com a proposta de resgatar a autoestima e ancestralidade do povo preto. E foi neste momento que Amanda pôde presenciar a real transformação de diversos homens e mulheres.
“Essa conexão é o que tenho de mais rico, conhecer as histórias, as pessoas, é muito lindo. A melhor parte de trabalhar com trança é se conectar e ver as transformações não só físicas, mas de dentro para fora”, explica.
A força em cada fio
Sendo criada por uma mãe que sempre mostrou a beleza dos cachos, Amanda e a irmã nunca fizeram alisamento e, por isso, não passaram pela experiência da transição capilar.
Diferente das filhas, Débora sofreu durante a infância por não saber lidar com seus cabelos. Desde muito jovem a cabelereira era instruída pela mãe a manter seus fios aparados rente ao couro cabeludo e isso gerava comentários hostis na infância.
Foi apenas na adolescência, quando Débora passou a morar com seu pai, que sua madrasta começou a ensiná-la que
seus cachos não deviam ser escondidos ou diminuídos. Foi essa filosofia que ela passou para as filhas e posteriormente passou a usar com seus clientes do Nefertiti.
Muito mais do que apenas um local para arrumar o cabelo, o estabelecimento tornou-se um lugar de acolhimento, empatia e resistência. Em diversos casos, mulheres entraram fragilizadas e até mesmo humilhadas e conseguiram sair com a confiança reestabelecia através dos cortes de cabelo ou das tranças.
“Para essas mulheres que estão passando por momentos complicados, não só transição, mas sofrendo algum tipo de ataque, seja racismo, gordofobia, homofobia, elas se conectam e isso traz uma confiança. É algo além da estética”, afirma Amanda.
E esse é o propósito que a família almeja continuar seguindo com o salão. Mesmo com menos de um mês de existência, é naquele estabelecimento que tanto Débora quanto Amanda sonham em receber cada vez mais clientes para que possam ajudá-los a buscar sua própria identidade, assim como um dia elas foram ajudadas.
Prestes a se formar em terapia capilar, Amanda afirma que pretende seguir aperfeiçoando seu trabalho cada vez mais para que possa sempre dar o melhor aos clientes que nem sempre foram bem tratados em salões convencionais.
Fonte: www.midianews.com.br