Juiz eleitoral vê flexibilização de cotas como ‘golpe’ contra a participação feminina na política

A proposta do PLP 112/21, atualmente em análise no Senado, tem gerado preocupação entre autoridades políticas, juristas e especialistas em Direito Eleitoral. Para o juiz eleitoral José Luiz Blaszak, a mudança representa um retrocesso nas políticas afirmativas voltadas à participação feminina. Ele avalia que, ao permitir que partidos deixem de preencher as cotas mínimas de gênero, mesmo mantendo a reserva, o projeto esvazia a eficácia da regra e enfraquece o papel da Justiça Eleitoral na promoção da igualdade.

Ao GD, o juiz, que é professor de Direito Eleitoral e de Direito Administrativo, juiz membro do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/MT), pós-graduado em Direito Constitucional e Direito Administrativo, mestrando em Direito Público, ponderou sobre os efeitos na mudança da regra para eleições.

1. Como o senhor avalia a proposta do PLP 112/21 de não obrigar o preenchimento das cotas de gênero, mesmo com a reserva de vagas? Isso pode comprometer a representatividade feminina nas eleições?

Juiz José Luiz Blaszak – O PLP 112/21, aprovado na Câmara dos Deputados e está sob análise no Senado, altera substancialmente a política de incentivo à participação feminina no processo eleitoral brasileiro. A proposta do novo projeto diz que os partidos deverão reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% com candidaturas de cada gênero. Isso significa se um dos gêneros (pode ser tanto masculino como feminino) preencher vagas com 70% deve reservar 30% das vagas remanescentes com o outro gênero. Esta reserva mínima de 30% deverá permanecer, caso não seja possível obter candidaturas para ela. Ou seja, se não obter candidaturas suficientes no ato do registro das candidaturas, o partido deverá participar das eleições somente com 70% de candidatos. Na prática, como, tradicionalmente, tem sido pelo preenchimento dos 70% por homens e os 30% por mulheres, caso não haja numero suficiente de mulheres para completar as candidaturas, o percentual parcial ou totalmente dos 30% não haverá mais a obrigatoriedade de preenchimento.

2. Quais impactos jurídicos e práticos o senhor prevê caso partidos deixem vagas remanescentes em branco por não conseguirem candidatas do sexo menos representado?

Juiz José Luiz Blaszak – Penso que, na prática, haverá retrocesso quanto à política de incentivo a maior participação feminina nas eleições, em que pese que sempre defendi que a reserva em si não é o principal mote de incentivo às mulheres na política eleitoral brasileira. Porém, de todo modo era um elemento de obrigatoriedade, e, bem ou mal, forçava os partidos a se preocuparem na participação feminina. Acontece que em 2016, o Ministério Público distribuiu em torno de 5 mil ações de investigações Judiciais Eleitoral país afora a fim de cassar mandatos de vereadores eleitos sob suspeita de formar coligações (na época ainda havia coligações para eleições proporcionais) com candidaturas femininas “laranjas” (características fraudulentas). Até os dias atuais este problema não deixou de existir. O que pode ter motivado o texto do atual projeto de lei, seria o fato de que as AIJES país afora, quando julgadas procedentes, determina, a cassação de todos os candidatos registrados (até 2016 – coligação) (de 2020 para cá – partido). Isso significa, muitos candidatos de boa-fé, ou seja, que sequer tinham conhecimento de eventuais candidaturas femininas laranjas, eram e são até hoje cassados. Então, pode ser que o Congresso Nacional adote o texto do projeto de lei como uma espécie de “remédio amargo”.

3. Na visão da Justiça Eleitoral, essa flexibilização pode ser interpretada como um retrocesso nas políticas afirmativas para promoção da igualdade de gênero na política?

Juiz José Luiz Blaszak – Com certeza, sob à luz do que respondi na pergunta anterior, adiciono que se o texto do projeto de lei for o texto final, tornando-se lei, a Justiça Eleitoral sofrerá duro golpe na longa jornada de campanhas de afirmação tocante à política feminina. Porém, penso que, ao mesmo tempo, em acusará o golpe, surgirá novas possibilidades. Na obra Tratado de Direito Eleitoral, há 8 volumes, constando capítulos produzidos por diversos eleitoralistas do país. Tive a honra de ser convidado para escrever sobre “Democracia interna dos partidos”. Neste capítulo, eu frisei que a maior participação feminina nas eleições nasce na maior participação das mulheres nos diretórios partidários. Elas precisam ter lugar e efetiva cooperação na vida do dia a dia dos partidos. A partir daí é que vejo a consolidação de juntos, homens e mulheres, construindo uma política forte de unicidade e não de competitividade.

4. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já se posicionou oficialmente sobre o PLP 112/21? Em caso afirmativo, qual foi o teor da manifestação?

Juiz José Luiz Blaszak  – Até o momento, não há registro público de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha emitido uma opinião oficial ou parecer institucional sobre o Projeto de Lei PLP 112/21. O que há são manifestações de diversos juristas independentes.

5. Caso o projeto seja aprovado, quais ajustes operacionais e normativos a Justiça Eleitoral terá que implementar para garantir o cumprimento das novas regras nas próximas eleições?

Juiz José Luiz Blaszak – O TSE faz ampla divulgação sempre que há mudanças nas regras de registro de candidatura e nos procedimentos de campanha eleitoral. Portanto, ao se concretizar as mudanças tocantes às candidaturas sob ajustes dos percentuais de cada gênero será amplamente divulgado como se dará o novo procedimento. Em termos operacionais, penso que não se tratará de grandes inovações, pois a exigência de reserva dos percentuais 30% e 70% tocante aos gêneros continuam. A diferença substancial é que se acontecer de não haver número suficiente de candidatas para os 30% necessários, caso seja de mulheres, por exemplo, as vagas deverão permanecer sem preenchimento. O partido concorrerá, por exemplo, com 70% de homens, e, 30% vazio; ou ainda, por exemplo, 70% de homens e 10% preenchidos por mulheres, ficando 20% vazio por não ter nomes femininos suficientes para completar os 30%.

Fonte: Gazeta Digital

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