Mães servidoras de filhos com deficiência lutam por redução de jornada

Sair de casa para trabalhar não é tarefa fácil para as mães. O medo e a culpa costumam dividir espaço com a ansiedade e a retomada da vida profissional. Mas para algumas mães esse momento é ainda mais difícil e, para muitas, ele sequer chega a acontecer. Pessoas que possuem dependentes com deficiência encontram dificuldades para conciliar agenda de trabalho, afazeres domésticos e cuidados com a pessoa e, muitas vezes, são exigidas a cumprir uma carga horária que não condiz com a sua realidade.

Há dez anos, servidoras que são mães de pessoas com deficiência travam uma luta pelo direito de trabalhar e cuidar de seus filhos por meio da redução da jornada. A Lei Federal 13.370/2016 reconhece o direito à jornada especial de trabalho para pessoas que possuem cônjuges, filhos ou dependentes legais com deficiência. O benefício também é reconhecido por outros estados e por meio de leis municipais, como na própria capital mato-grossense.

Para servidores do Estado, porém, a redução de jornada só ocorre por meio de acordo com a chefia imediata ou por decisões judiciais. Como é o caso de Marcos, de 14 anos, que teve o direito de ser cuidado pela mãe, Solanyara Maria da Silva Nogueira, 45, por meio de uma liminar concedida pela Justiça em 2016. O benefício, porém, como ela diz, nunca foi para ela e sim para seu filho que pôde receber atenção e tratamento adequado.

“Hoje vejo a evolução do Marcos e sei que se eu não o tivesse acompanhado, cuidado, tido tempo para levar na fisioterapia, fonoaudiólogo e inúmeros outros profissionais, ele não teria a autonomia que tem hoje”, afirma Solanyara. Marcos tem esclerose tuberosa, uma doença congênita que foi diagnosticada quando ele tinha seis meses de vida. Além disso, ele também tem síndrome convulsiva refratária e transtorno do espectro autista.

Atualmente, Marcos consegue andar e não usa mais fraldas, mas é uma pessoa não verbal e requer tratamentos para manter o quadro de evolução e evitar crises. Solanyara, servidora da Secretaria de Estado de Saúde (SES), trabalha meio período e no outro pode se dedicar às terapias do filho ou a si mesma. “Não é só a pessoa que precisa de acompanhamento, toda família requer atenção, pois abdicamos da nossa vida para viver a vida do filho”.

De abdicação Adriana dos Santos Rossi, 39, entende. Ela é mãe de Ângelo Gabriel, 12, uma criança diagnosticada com uma síndrome rara cuja expectativa média de vida é de dois anos. “Se meu filho está vivo até hoje, é fruto de muita batalha. Não foi fácil”, afirma Adriana ao relembrar as 50 cirurgias às quais o filho já foi submetido para continuar a viver.

Adriana diz que é injusta a cobrança que imputam sobre as mães de pessoas com deficiência porque não há condições para que elas vivam de forma digna. “Batem nas minhas costas para dizer que sou guerreira, mas não me dão ferramentas para lutar”. Ferramenta que, segundo Adriana, pode ser uma lei para garantir o direito de vida do filho. “Não é um tempo de descanso, é um tempo para que eu possa atendê-lo”. Ângelo também conseguiu, por meio de liminar, o direito de ter a mãe por perto.

Para todos

O que para uns pode parecer “privilégio” de servidor público, para outros é um caminho para que este direito um dia chegue até a iniciativa privada. Muitas mães, para cuidar de seus filhos, precisam deixar seus empregos e passam necessidades básicas porque não podem conciliar jornada de trabalho e atenção.

“Muitas mães passam fome, dependem da caridade de familiares e amigos para sobreviver porque não têm com quem deixar o filho e não conseguem um emprego”, conta Solanyara.

Aildes Auxiliadora Sadi nunca passou necessidade, mas abandonou a vida profissional por um longo período para cuidar de Henrique, hoje com 22 anos. Ele tem distrofia muscular congênita com desproporção de fibras do tipo I e II e faz uso de ventilação mecânica. Para se dedicar ao filho, ela deixou o emprego administrativo e foi estudar fisioterapia para ajudar na sua habilitação.

Durante muitos anos ficou fora do mercado e agora, com o suporte do esposo, começou a trabalhar em regime de plantão. “Hoje em dia eu trabalho em hospitais como fisioterapeuta e o meu esposo que está cuidando dele. Como está adulto, ele consegue nos ajudar a identificar melhor os sintomas. Ele tem sessões de fisioterapia diariamente, visita médica semanal e de enfermagem 24 horas pelo homecare. Ele faz uso de suplemento alimentar três vezes ao dia, mas deixo o almoço dele pronto e frutas descascadas e cortadas para dar de lanche”.

A rotina exaustiva de Aildes tem um motivo a mais, ela quer se aprofundar nos estudos para conseguir melhorar a qualidade de vida do filho. “Estou juntando dinheiro para estudar melhor a patologia dele e, a partir daí, ficar com ele mais tranquila”.

Luta de Longa Data

Esta não é a primeira vez que a redução na jornada de trabalho para servidores que possuem dependentes com deficiência é aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) e depois derrubada, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pelo Poder Executivo. Em 2014 foi aprovada a Emenda Constitucional (EC) 70/2014, que estabelecia a “redução da jornada para o servidor público que seja responsável legal e cuide diretamente de portador de necessidade especial que, comprovadamente, necessite de assistência permanente, independentemente de estar sob tratamento terapêutico”. Em 2015, porém, a Emenda foi derrubada por meio da ADI 184575/2015.

O mesmo aconteceu com a Lei Complementar 607/2018, derrubada pela ADI 1011123, em 2020.

Para Solanyara Nogueira, que conquistou o direito de redução de jornada para cuidar do filho Marcos por via judiciais, assegurar o direito por meio de lei traz dignidade ao servidor, que não precisaria ser submetido ao constrangimento, humilhação e insegurança. “Estamos pensando em quem não tem o direito, nas futuras gerações, para que todos possam usufruir o direito previsto na Constituição Federal que estabelece os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Legalidade”.

Fonte: www.leiagora.com.br

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