Maternidade socioafetiva: o vínculo transcende os laços biológicos

Em algum momento da vida você provavelmente já ouviu a frase “mãe é quem cria”, que desvincula a maternidade dos laços sanguíneos, ressaltando o amor e o cuidado diário. As famílias brasileiras, com o passar dos anos, ficaram mais diversas e esse ditado popular até mesmo ganhou um nome jurídico: maternidade socioafetiva.

Quem conhece bem o poder desse vínculo é o empresário mineiro Ronaldo Teixeira. Ele foi criado por duas tias e nutre, até hoje, um relacionamento de mãe e filho com uma delas, com quem não possui relação biológica.

“Eu me considero um filho mesmo. É um relacionamento que a gente vai adquirindo, né? Um amor que você vai pegando cada dia mais. Ela é minha tia porque casou com um tio meu. Não era nem para eu ter tanta afinidade com ela como eu tenho. Eu tenho uma paixão muito grande por ela. Até hoje, com mais de 60 anos, quase toda semana eu vou visitá-la no final de semana… No Dia das Mães, sempre vou dar um abraço nela e levar uma lembrança.”

A história dele é parecida com a da técnica de enfermagem paulista Bia Silva. Ela conheceu a mãe aos sete anos e relata que foi amor à primeira vista.

“Meu pai ficou viúvo e eu perdi a minha mãe de sangue quando tinha três anos. Meu pai conheceu essa segunda mãe e no primeiro dia que eu olhei para ela foi amor à primeira vista. Já olhei para ela e perguntei se poderia chamá-la de mãe. A partir desse dia a gente já virou mãe e filha, nos escolhemos.”

A vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, advogada Maria Berenice Dias, explica que a presença do vínculo de convivência é o que caracteriza a filiação socioafetiva, que, apesar de ainda não estar respaldada por lei, tem sido cada vez mais reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

“Essa é uma construção jurisprudencial, vinda dos tribunais e é o vínculo de convivência das pessoas que gera comprometimento. E isso tem efeitos jurídicos. Eu sempre digo que é mais ou menos como a frase de Saint-Exupéry, do Pequeno Príncipe: ‘você é responsável por aquilo que cativas’. São os vínculos das pessoas com as outras que geram obrigações, geram direitos, geram deveres. Essa é a origem do vínculo da afetividade, que acabou sendo reconhecido e trazido para dentro do Direito pela doutrina e absorvido no fim pelos tribunais.”

Um desses casos foi o da Alessandra Dias, que teve a maternidade socioafetiva da filha biológica de sua companheira, Thaysa Nascimento, reconhecida pela Justiça do Ceará. As duas viviam há mais de nove anos em uma união estável, quando, por um breve momento, se separaram. Thaysa acabou engravidando. Ao reatarem o relacionamento, elas procuraram a Defensoria Pública do Estado do Ceará e conseguiram registrar a pequena Anna Ísis, hoje com quatro anos, com os nomes das duas mães.

“Assim que ela nasceu, fui logo tentar registrar ela no meu nome. Só que como erámos duas mães, era mais difícil um pouco. Me falaram que eu tinha que esperar ela crescer para ver se era realmente isso que ela queria. Só que como ela ainda era muito bebezinha, eu teria que esperar muito e resolvi entrar pela Justiça. O meu laço com a Anna Ísis sempre foi muito forte. Desde quando ela estava na barriga, eu pegava na barriga da mãe dela e ela já começava a chutar. Onde ela chega, ela diz: ‘eu tenho duas mamães’. Para ela, é motivo de felicidade!”

 

O processo judicial de Alessandra e Thaysa foi rápido e durou cerca de seis meses, mas, devido à falta de respaldo da filiação socioafetiva em lei, essa “agilidade” nem sempre existe.

É por isso que a regulamentação desse vínculo é uma das mudanças previstas na proposta do novo Código Civil, elaborado por uma comissão de juristas. O projeto foi recebido em abril deste ano e passa pela análise do Senado. Caso seja aprovado, ficará oficialmente estabelecido que a relação de família é baseada no afeto e não no vínculo sanguíneo.

Fonte: CBN/GLOBO

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